Repercussões químicas e climáticas das queimadas na atmosfera
Química da atmosfera de uma queimada em um bioma. Imagem de Guo et. al (2020)
Incêndios florestais de grandes proporções têm se tornado cada vez mais frequentes em diversas partes do mundo. Em 2024, o Brasil vivenciou uma crise sem precedentes, com recordes de queimadas em estados como São Paulo, Amazonas e na região Centro-Oeste. A propagação rápida e intensa do fogo, em milhares de focos, a maioria iniciado de modo intencional, é efeito de uma combinação de fatores, incluindo a ação humana e condições climáticas, a exemplo da seca. O fenômeno El Niño, a título de exemplo, contribui para o aumento das temperaturas e a redução da umidade, tornando as áreas florestais mais suscetíveis ao fogo. Entretanto, as florestas têm que estar passando por um estágio que favoreça a ignição e sua posterior dispersão, como a disponibilidade de biocombustíveis presentes no sistema ecológico.
Não há dúvidas de que a ação humana é a principal responsável por esse cenário, principalmente devido à exploração, uso e ocupação do solo, que modificam profundamente a superfície e comprometem o equilíbrio natural dos ecossistemas. Os incêndios florestais, especialmente em regiões temperadas e tropicais, têm se intensificado. Nas áreas temperadas, como as boreais, a exploração madeireira e a utilização da lenha contribuem significativamente para esse problema. No Cerrado brasileiro, apesar da crença popular de que os incêndios são um fenômeno natural da seca, estudos demonstram que a maior parte dos focos é causada por atividades humanas, principalmente durante a época seca. Incêndios naturais, provocados por raios, tendem a ocorrer em períodos de transição entre a seca e a chuva, e não apresentam a mesma intensidade e frequência dos incêndios de origem antrópica, como tem sido observado no centro do Brasil.
As queimadas, além de causarem a morte de diversas espécies e danos ambientais irreversíveis, como a alteração dos ciclos biogeoquímicos, podem gerar impactos que extrapolam os limites da área queimada. As partículas resultantes da combustão da biomassa podem percorrer longas distâncias, interagindo com a atmosfera e formando compostos secundários complexos e nocivos ao ambiente. Esses compostos, como os óxidos nitrosos (NOx) e os compostos orgânicos voláteis (COVs), especialmente os biogênicos (BVOCs), são liberados em grandes quantidades, principalmente em áreas florestais, e podem causar danos à saúde humana e ao ecossistema a curto, médio e longo prazo. Estes compostos são liberados em uma sequência de processos, desde a ignição, que inicia a combustão, até a pirólise, uma reação de decomposição térmica que libera gases e vapores combustíveis, até a extinção do fogo. A
A queimada da biomassa libera uma grande quantidade de gases e partículas para a atmosfera. Esses poluentes, tanto primários quanto secundários, podem permanecer no ar por um período variável, dependendo da sua origem. O intenso calor gerado pela queimada estimula a emissão direta desses gases e, em condições extremas, pode induzir as plantas a liberar compostos orgânicos voláteis biogênicos (BVOCs). Além disso, os óxidos de nitrogênio (NOx) liberados na queimada contribuem para a formação de ozônio troposférico, um poluente prejudicial à saúde humana e ao meio ambiente. A radiação solar e o calor intensificam a formação desse ozônio, tanto em áreas queimadas quanto em centros urbanos. Por fim, o dióxido de carbono (CO2), um dos gases do efeito estufa mais conhecidos, é emitido em grandes quantidades durante a queimada da biomassa, assim como na queima de combustíveis fósseis e no desmatamento.
Além da poluição, as emissões resultantes das queimadas também influenciam o balanço energético da Terra. Esses compostos podem tanto reter o calor, intensificando o efeito estufa, como refletir a radiação solar de volta para o espaço. O dióxido de carbono (CO2), por exemplo, é um dos principais gases responsáveis pelo aquecimento global.
Outro impacto importante é a formação de nuvens. As partículas emitidas pelas queimadas podem servir como núcleos de condensação, facilitando a formação de gotículas de água e, consequentemente, das nuvens. No entanto, o efeito final sobre o regime de chuvas é complexo e depende de diversos fatores, como a natureza das partículas, as condições atmosféricas e a estabilidade do sistema climático. Alguns estudos sugerem que o aumento de núcleos de condensação pode levar a um aumento nas precipitações, enquanto outros indicam o oposto. A incerteza é ainda maior no Hemisfério Sul, especialmente na Amazônia, onde as mudanças no ciclo hidrológico são mais pronunciadas.
Apesar da importância do tema, os estudos sobre a poluição atmosférica causada por queimadas ainda são limitados no Brasil, dado a complexidade do tema, à dificuldade de monitoramento e dos estudos de coleta da amostra, além da maior atenção da academia aos efeitos das mudanças climáticas, como o caso dos extremos climáticos de precipitação frequentes no Brasil. A maior parte das pesquisas se concentra nos impactos do desmatamento e do ciclo do carbono na Amazônia, enquanto outros biomas, como o Cerrado, recebem menos atenção, sendo frequentemente subestimados. As queimadas na Amazônia e adversidades climáticas, por exemplo, podem acelerar o processo de savanização, alterando o clima local e regional e elevando a frequência de incêndios dado a redução da cobertura de seus dosséis. Além disso, as atividades humanas, como o uso da terra, geram novas fontes de ignição, expandindo a ocorrência de incêndios para áreas antes pouco alteradas.
Referências usadas
ANDREAE, Meinrat O.; MERLET, Pedro. Emission of trace gases and aerosols from biomass burning. Global biogeochemical cycles, v. 15, n. 4, p. 955-966, 2001.
TARGINO, Admir Créso et al. Surface ozone climatology of Southeastern Brazil and the impact of biomass burning events. Journal of environmental management, v. 252, p. 109645, 2019.
Ten Hoeve, J. E., Remer, L. A., & Jacobson, M. Z. (2011). Microphysical and radiative effects of aerosols on warm clouds during the Amazon biomass burning season as observed by MODIS: impacts of water vapor and land cover. Atmospheric Chemistry and Physics, 11(7), 3021-3036.
ARAGÃO, L. E. O. C. et al. Frequência de queimadas durante as secas recentes. Secas na Amazônia: causas e consequências (ed. Borma LDS, Nobre CA). Oficina de Textos, 2013.
Kommentare