A importância de um aparato jurídico em matéria climática
A área do Direito tem como objetivo central orientar e conduzir os atos em sociedade, estabelecendo normatizações para regular as relações sociais. O Direito Ambiental é uma subdisciplina relativamente recente, formalmente estabelecida em 1972, com a Conferência de Estocolmo, apesar de já existirem normas ambientais anteriores. Até não muito tempo, o conceito de "ambiente" era percebido de forma dicotômica, separando "Homem" e "Ambiente". Atualmente, o termo "meio" é utilizado para indicar uma relação ecocêntrica e, para alguns autores, biocêntrica (neste caso, o homem não é hierarquicamente superior à natureza, mas dotado de igualdade de direitos entre as interespécies. A natureza, portanto, é vista como um "Sistema-Terra", a biogeocenose, caracterizada por nuances complexas e integradas que afetam nossa compreensão de sobrevivência e "bem-viver".
Essa noção de bem-viver está de acordo com a normativa estabelecida pela Resolução A/76/L.75 (2022) da Assembleia Geral da ONU, que reconhece o direito humano a um meio ambiente limpo, saudável e sustentável, incluindo o clima e seu atual estado de emergência ambiental. Observa-se que o clima atua como garantidor dessa qualidade ambiental e, por isso, como parte integrante do Sistema-Terra. Ele deve ser tratado como um bem comum, difuso e sem fronteiras: ele é responsabilidade de todos. Esse cuidado não visa apenas à qualidade de vida humana, mas também à manutenção ambiental, essencial para a própria existência. O clima é transfronteiriço, pois não se restringe à relação indivíduo-meio, mas abrange toda a sociedade. Isso inclui desde o simples ato de respirar um ar livre de poluentes adversos até a possibilidade de viver sem estar em uma “sociedade de risco”, como comenta Beck.
É com a Era da Emergência Climática que se exige um pacto entre os diferentes níveis da República Federativa do Brasil, abrangendo todas as esferas subnacionais, suas legislações e planos de adaptação e mitigação. A Política Nacional sobre Mudança do Clima, por si só, não abarca as diversas realidades do Brasil; ela precisa ser implementada através dos planos subnacionais, garantindo assim a ideia do clima como um bem difuso e de tutela não apenas comum, mas primária. Cada Estado-Parte das conferências para o clima se comprometem a buscar reduzir suas taxas de emissão, sendo de obrigação progressiva e cada vez mais ambiciosa, conforme estabelecido pelo Acordo de Paris. E, para tanto, deve-se articular tais esferas multidimensionais, como as próprias legislações estaduais. Até 2019 são 21 dos 27 estados da Federação (+ o DF), que já tem políticas relacionadas às mudanças climáticas, como cita o Instituto Clima e Sociedade.
Logo, a partir de uma fonte de Direito Internacional, regida pelos acordos estabelecidos entre os países, o clima passa a ser visto não apenas como parte integrante da natureza, mas também como essencial para o bem-viver das gerações atuais e futuras, o que inclui 1,8 bilhões de jovens de até 29 anos no mundo. Nesse contexto, a cláusula de abertura elevou o direito ao clima a um status supralegal (ainda que infraconstitucional), reconhecendo-o como um direito humano e promovendo a noção de justiça climática. Essa perspectiva se instrumentaliza por meio de políticas climáticas, fomentando a litigância climática como uma maneira de responsabilizar e regulamentar questões relacionadas ao clima. Um exemplo é a petição internacional de 2019, apresentada por crianças e adolescentes ao Comitê de Direitos da Criança da ONU, alegando a suposta falha de diversos países, incluindo o Brasil, no cumprimento das metas de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEEs).
Dito isso, a litigância climática abrange a elaboração de leis; o desmatamento e reflorestamento; o planejamento urbano; e os estudos de impacto ambiental. Todos esses campos devem trabalhar de forma holística e sinérgica para alcançar o objetivo central de neutralidade climática, estabelecido pelo Brasil até 2060. As leis atuam como o aparato jurídico e sua normatização de conduta de públicos e privados; o desmatamento e o reflorestamento são essenciais para a manutenção do ecossistema, evitando os "Tipping Points" e controlando os sumidouros naturais; o planejamento urbano visa controlar os poluentes de fixos e fluxos, e promover adaptações climáticas; e os estudos de impacto ambiental fornecem as bases científicas para a tomada de decisões informadas, seguindo o princípio da precaução da intervenção humana no ambiente.
A discussão sobre a operacionalização das litigâncias climáticas ressalta sua natureza transversal. No trabalho de conclusão de curso, Silva (2023), abordou um exemplo notável: a primeira litigância climática no Brasil em razão de desmatamento, referente ao Projeto de Assentamento Extrativista Antimary. O estudo aponta que ainda há desafios jurídicos para abranger o clima e suas diversas esferas visando à responsabilização civil e a noção de extensão dos danos. Essa complexidade decorre da natureza silenciosa dos danos climáticos. O clima, embora imaterial, manifesta-se através das mudanças nos padrões físicos da superfície, o que dificulta o arcabouço da litigância, que depende do reconhecimento de um sistema normativo e plural (formal, material e complementar, o que inclui a participação popular).
São esses mecanismos que consolidam a ideia de que é dever do Estado criar, estabelecer e manter progressivamente suas normativas sobre o clima e o meio ambiente. Além disso, cabe ao Estado resguardar a dignidade da pessoa humana em âmbito ambiental, regulando e responsabilizando os particulares pela manutenção da qualidade do ambiente, o que inclui indubitavelmente o clima como parte integrante e mediadora da natureza. Razão disso de que este atua como 'espelho da paisagem', esculpindo desde macroestruturas naturais até o sustento de microssistemas. Sem um clima saudável, a Terra corre o risco de se tornar um planeta semelhante a Vênus na pior das hipóteses, pela “força geológica” do homem que inaugura a época do Antropoceno (ou Capitaloceno).
Revisado por Ábia Silva, Advogada
Referências usadas
LAMEIRA, V. (2017). Mudanças climáticas: estratégias de litigância e o papel do judiciário no combate às causas e efeitos do aquecimento global no contexto brasileiro. Revista do Ministério Público do Rio de Janeiro, (64), 197-223.
NAÇÕES Unidas. Acordo de Paris sobre Mudança do Clima. Paris, 12 de dezembro de 2015. Disponível em: https://brasil.un.org/sites/default/files/2020-08/Acordo-de-Paris.pdf.
NAÇÕES Unidas. Assembleia Geral. Resolução A/76/L.75. Declaração sobre a Situação dos Direitos Humanos no Mundo. Nova York: Nações Unidas, 2022.
SILVA, Ábia Larissa Marques. A responsabilização por dano climático na amazônia brasileira: estudo de caso Pae Antimary. 2023. 66 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito) — Universidade de Brasília, Brasília, 2023.
WEDY G.; SARLET, Ingo; FENSTERSEIFER, Tiago. Curso de Direito Climático. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2023. 550 p.
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