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Sob a nuvem de poeira

Foto do escritor: Heleno Proiss SlompoHeleno Proiss Slompo

A natureza ambiental das tempestades de areia e poeira


Tempestade de areia em Ribeirão Preto (SP) em 26 de set. 2021. Fonte: Revide


Tempestades de areia e poeira chamam muita atenção no Brasil e na América do Sul, pois são mais comuns em ambientes desérticos, semiáridos ou em áreas que sofrem intenso processo de desertificação (neste último caso, o processo tem que ser constante e em período intersazonal). A ocorrência desses eventos depende de condições superficiais e meteorológicas específicas, o que os torna menos comuns no território nacional devido à irregularidade do relevo, às condições úmidas em grande parte do território e à ausência de grandes áreas arenosas. No entanto, eventos como a tempestade de areia de 26 de setembro de 2021 em São Paulo e Minas Gerais, e posteriormente em Goiás e Mato Grosso, podem se tornar mais comuns com as mudanças nos padrões de uso de superfície e modificação nas características naturais da atmosfera seja por fator antrópico ou variabilidade natural.


As tempestades de areia têm como componente predominante a areia e ocorrem geralmente em áreas desérticas, onde a superfície é parcial ou completamente coberta por esses particulados mais grosseiros. Quando ventos fortes e turbulentos sopram sobre a superfície, uma grande quantidade desses particulados se suspende, formando uma parede larga e de elevada altura vertical que pode se deslocar por quilômetros. Diferem das tempestades de poeira, que possuem partículas mais finas em sua composição, podendo incluir microparticulados resultantes de reações químicas de combustão em áreas urbanas, bem como a queima de biomassa natural ou induzida em áreas remotas. As tempestades de poeira são mais comuns em áreas urbanas e em suas proximidades. Em ambos os casos, a obstrução da baixa atmosfera e pode gerar muitos problemas cardiorrespiratórios, reduzir a visibilidade e prejudicar a qualidade do ar e de superfície após a deposição seca dos particulados.


Nem toda elevação de poeira ou areia se caracteriza como tempestade. Para ser classificada dessa forma, é necessário que alcance uma escala mesoclimática, ou seja, que se estenda por mais de uma centena de quilômetros, de escala local a regional, e seja visível em imagens de satélite. Fenômenos mais localizados de suspensão de particulados são mais frequentes em áreas tropicais sazonais e mais áridas, resultantes do aquecimento diurno e da turbulência sobre a superfície, podendo se manifestar como vórtices de microescala de diâmetro de até 100m e duração até horária, em alguns casos. Uma tempestade de areia e poeira precisa ter maior escala e está diretamente associada à circulação secundária da atmosfera, como frentes (mais comuns), a chegada de Linhas de Instabilidade, comportamentos ciclonais e anticiclonais. A depender do sistema atuante, a tempestade pode persistir por horas, dias em áreas desérticas ou até anos, como o caso do Dust Bowl, nos Estados Unidos (10 anos).


Isso ocorre porque a escala sinótica reflete nas tempestades devido à diferença de temperatura entre duas massas de ar. Quando essas massas se encontram, criam um gradiente de alta pressão que pode se desenvolver verticalmente e gerar chuvas em áreas tropicais. No entanto, em áreas desérticas, os sistemas tendem a ser secos, o que impede a formação de chuvas. Durante uma tempestade de areia, a temperatura tende a diminuir exponencialmente devido à capacidade de reflexão das partículas de areia, que cobrem a superfície com um baixo albedo em áreas arenosas, e aos ventos fortes que dispersam essas partículas efeito de frentes. A umidade relativa aumenta após o evento devido à fase de convecção, apresentando-se de forma inversa à diminuição da temperatura, diferentemente do que ocorre na fase pré-tempestade.


As tempestades de areia e poeira podem se tornar ainda mais frequentes em áreas extra-desérticas, à medida que o uso e a ocupação do solo se intensificam em regiões como o centro-sul do Brasil. Esse processo cria condições de solo exposto e facilita o destacamento e a erosão de particulados. Além disso, as mudanças nos padrões de chuva, causadas pelo desequilíbrio do balanço térmico da atmosfera, podem contribuir para a desertificação de áreas mais úmidas. O exemplo foi a já citada tempestade de areia de 2021 no centro-sul do Brasil, que teve condições a instabilidade atmosférica somada às essas condições de seca excepcional no norte do estado de São Paulo.


Embora o estudo das tempestades de areia e poeira ainda seja pouco explorado no Brasil, a natureza dos aerossóis deslocados pode causar problemas a curto prazo em fenômenos mais localizados, mas também a médio e longo prazo dado que podem redistribuir aerossóis minerais e biogênicos adversos à saúde ambiental e humana. Mesmo que não sejam tão comuns quanto chuvas extremas e ondas de calor anômalas, essas tempestades representam uma ameaça mais silenciosa, semelhante a uma seca, mas de um clímax perturbador. É necessário realizar mais estudos diagnósticos e prognósticos sobre essas tempestades para avaliar os riscos socioambientais no Brasil e identificar possíveis vulnerabilidades. A grande questão é se estudar mais à fundo a probabilidade desses eventos acontecerem com mais frequência no futuro.


Referências usadas


GOUDIE, A. S.; MIDDLETON, N. J. Desert dust in the global system. Springer Science & Business Media, 2006.


Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Tempestade de poeira do interior paulista e estados vizinhos. Acesso em <https://www.gov.br/inpe/pt-br/assuntos/ultimas-noticias/tempestade-de-poeira-do-interior-paulista-e-estados-vizinhos>.


KNNIPERTZ, P., & STUUT, J. B. W. (2014). Mineral dust. Mineral dust—A key player in the Earth system, 121-147.


SISSAKIAN, V.; AL-ANSARI, N.; KNUTSSON, S. Sand and dust storm events in Iraq. Journal of Natural Science, v. 5, n. 10, p. 1084-1094, 2013. DOI: 10.4236/ns.2013.510133.



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