As causas das chuvas extremas no RS em 2024
Região de instabilidade no Rio Grande do Sul em 3 de maio 2024, por INMET
O período da “emergência climática” chegou. A natureza está respondendo de formas cada vez mais notáveis e em escalas que vão além do âmbito local. Muitos fenômenos já se caracterizam como “desastres”, resultantes de chuvas extremas de mesoescala, secas, queimadas descontroladas, ondas de frio e calor, e até tempestades de areia em áreas tropicais como o Brasil. A tragédia ocorrida no Rio Grande do Sul em maio de 2024 pode ter sido o ponto de inflexão necessário para alertar a sociedade sobre os potenciais da natureza, que ainda é vista como separada e subserviente ao ser humano, apesar dos muitos progressos filosóficos e morais no debate sobre um direito climático em voga. Entretanto, foi essa dicotomia criada entre sociedade-natureza, que trouxe a conta para a sociedade.
A tragédia no Rio Grande do Sul ganhou manchetes internacionais, gerando comoção pelo desamparo causado a mais de 600 mil desalojados, além de dezenas de mortos e feridos. A catástrofe foi resultado de dias de chuvas intensas, que haviam sido previamente alertadas pelos órgãos de monitoramento, embora a defesa civil e a sociedade local inicialmente tenham mostrado pouca reação. A verdade é que, em períodos climáticos como este, a Região Sul do Brasil sofre com a ocorrência de variados fenômenos atmosféricos, como a passagem de frentes. Contudo, este ano, o problema foi ainda mais crítico, resultante de uma gênese de sistemas produtores de tempo instáveis e, também, os fatores sociais, dado que a resposta do Rio Grande do Sul não esteve à altura da situação e um preparo para mitigação de eventos extremos ainda está longe de ser alcançado. Boa parte da capital gaúcha ficou inundada, evidenciando a gravidade do desastre.
Desde o final do ano passado, o fenômeno ENOS, em sua fase quente conhecida como El Niño, tem aquecido as águas do Oceano Pacífico e alterado a dinâmica da atmosfera. Isso fortaleceu as massas de ar quentes, como a mEc na região norte do Brasil. A intensidade desse fenômeno criou um corredor que se estendeu até a região Sul do país, aumentando a nebulosidade profunda com grandes nuvens densas de chuvas. Esse corredor poderia ter se expandido mais e não ter ficado estacionado sobre o Rio Grande do Sul, se não fosse por um grande domo de calor seco e uma onda de calor que dominaram a região central do Brasil, incluindo a capital federal. Esse bloqueio impediu a expansão do corredor de calor, posicionando-o sobre o Rio Grande do Sul.
Mas esses não foram os únicos agentes envolvidos. Outro componente crucial para a tragédia foi a chegada de uma massa de ar polar (mPa), que, devido ao forte domo de calor, não conseguiu se expandir para outras regiões do Brasil, ficando estacionada sobre a região do Rio Grande do Sul e estados do Sul do país. Em resumo, sobre o estado gaúcho havia a presença de três grandes sistemas: a massa polar atlântica, fria, originária do Atlântico Sul, abaixo dos trópicos; o domo de calor seco na porção central do Brasil; e o corredor de umidade vindo da Amazônia, fortificado pelo El Niño. A interação entre esses sistemas gerou uma grande nebulosidade, resultando em um front entre esses fenômenos, e acarretando as chuvas extremas no estado gaúcho em um curto período.
Tudo isso é potencializado pelas mudanças climáticas. A intensidade e a frequência dos eventos extremos já são evidentes climatologicamente e estão previstos para aumentar nos próximos anos. A pesquisadora Mercedes Bustamante, da Universidade de Brasília (UnB), comentou em uma entrevista que o desmatamento da Amazônia reduz a evapotranspiração e fortalece o domo seco na porção central do Brasil, criando uma condição sine qua non para o ocorrido no Rio Grande do Sul, ao gerar um bloqueio atmosférico.A hidrografia também foi uma condição natural determinante. Localizada em uma área de planície, a capital do Rio Grande do Sul enfrentava altos riscos de inundação devido à confluência de muitos rios para o lago Guaíba e a Lagoa dos Patos. Estes atingiram níveis de enchente inéditos, superiores a 5 metros, o que resultou na inundação de muitas cidades da capital.
Referências usadas
BBC. Rio Grande do Sul ainda vai viver muitos eventos extremos, dizem cientistas brasileiras que colaboraram com IPCC. 7 maio 2024. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/articles/czkv2mrdv31o>
G1. Nível do Guaíba cai abaixo de 4 metros pela 1ª vez em 19 dias. G1, 22 maio 2024. Disponível em: <https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2024/05/22/nivel-do-guaiba-cai-abaixo-de-4-metros-pela-1a-vez-em-19-dias.ghtml.>
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